domingo, 5 de fevereiro de 2017

LALAU E LAURABEATRIZ – literatura e fauna brasileira



Em sua correspondência com Godofredo Rangel – registrada em A Barca de Gleyre –, pelos idos de 1909, Monteiro Lobato se queixava da ausência de uma representação digna das matas brasileiras na literatura: "A floresta deste país de florestas que é o Brasil nunca foi pintada, nem interpretada! Não temos nada d'après nature em matéria de mata. Tudo é imaginado e tratado com receitas, com frases feitas – e sem ciência nenhuma." Só Euclides da Cunha, continua Lobato, teve o mérito de "meter um pouco de ciência na literatura".

Assim é também com a literatura infantil, especialmente aquela direcionada à primeira infância, na qual os animais são personagens preferenciais. Afora as clássicas histórias com animais de climas temperados, como lobos e raposas, há uma infinidade de livrinhos que misturam aleatoriamente animais e cenários de biomas diversos – como diria Lobato, sem nenhuma ciência.

Mary e Eliardo França ensaiam um retrato – literário e visual – da fauna brasileira, especialmente daqueles animais mais familiares às regiões rurais: tatus, onças, antas, pássaros.

Lua cheia! - Mary e Eliardo França (Col. Os Pingos)
 
Com a demanda escolar por material de educação ambiental, multiplica-se também a literatura infantil com essa temática. Queria ser alta como um tuiuiú, de Florence Breton, é uma história de animais (capivaras, no caso) com apêndices informativos, trazendo uma lista ilustrada de aves brasileiras.


Mas quem tem abraçado esse filão com uma produção bastante consistente é a dupla Lalau e Laurabeatriz – o primeiro, escritor, a segunda, ilustradora. Depois de alguns livros de poesia publicados pela Cia. das Letrinhas – Zum-zum-zum, Girassóis, Bem-te-vi¸Fora da gaiola –, eles seguiram com a parceria e têm se dedicado especialmente a retratar a fauna e a flora do Brasil. A coleção Brasileirinhos, publicada pela Cosac Naify, é uma série de quatro livros com poemas sobre animais brasileiros ameaçados de extinção. Muitos dos poemas foram musicados por diversos artistas e gravados em CD, que acompanha um dos livros da coleção.

O grande mérito da dupla é criar uma literatura que se sustenta como obra de arte independentemente de sua temática, adequada ao mercado escolar. Há a pesquisa, há uma preocupação com o rigor científico das informações, e ao mesmo tempo há umas belezinhas de poema, como este aqui:

Uacari
Macaco
Careca.

Uma criatura
Diferente.
A cara do uacari
Parece caricatura
De gente.  

Já as ilustrações são sempre exuberantes, feitas com pincel e tinta, e as edições não descuidam a qualidade gráfica.

Em Diário de um papagaio: uma aventura na mata atlântica, Lalau vai da poesia à narrativa ficcional, relatando em primeira pessoa o trajeto de um papagaio-de-cara-roxa do litoral paulista até Santa Catarina. Historinha bem bolada, linguagem cuidada, gostosa de ler, e as sempre lindas pinturas de Laurabeatriz.






Admiro os autores que conseguem ler o mercado e entrar nele sem deixarem o literário de lado. Lalau e Laurabeatriz já fazem parte da história da literatura infantil brasileira.