sábado, 10 de outubro de 2015

Mary e Eliardo França: livros para os pequeninos



Sempre que alguém me pede indicação de livros para bebês ou crianças bem pequenas, indico Mary França e Eliardo França. Muita gente da minha geração certamente se lembra da coleção Gato e Rato, com texto da Mary e ilustrações do Eliardo. Além dessa, sempre recomendo a série dos Pingos, sete ratinhos com as cores do arco-íris, cada um com uma marca de personalidade característica. 

Pela encadernação, poucos mediadores atualmente se arriscariam a colocar esses livrinhos nas mãos dos pequeninos, porque não são cartonados. A capa é bem fuleira, num papel de gramatura menor do que hoje em dia se costuma usar em livros infantis, e as folhas são grampeados. Ou seja: livro pra destruir. Aqui eu já remendei vários, entre rasgos e folhas que acabam se soltando dos grampos de tanto manuseio. Fora os amassados. Mas vale a pena.

Primeiro, porque os livros são baratos – especialmente os da coleção dos Pingos. Depois, porque é importante que as crianças percebam que o papel é um objeto frágil, que amassa, rasga, e que aprendam a manuseá-lo. Acho bastante estranho quando algum adulto exibe, orgulhoso, os livros que guardou de sua infância, todos em perfeito estado. Livro novo é livro que ninguém leu, ou não releu, ou no mínimo não releu o suficiente.  

Katsumi Komagata, designer japonês e autor de livros infantis, relata que fabricou seu primeiro livro para sua filha pequena, e que a primeira coisa que ela fez ao recebê-lo foi rasgá-lo. Komagata conta que reparou o livro com fita adesiva e o devolveu a sua filha – que então passou a ter outra atitude. Ele defende que é importante que as crianças tenham acesso à matéria física delicada e frágil, em contraste com um teclado ou uma tela de computador, tablet ou celular, que você pode apertar e nada acontece.

Eu acrescentaria que livros de papelão grosso têm sua função, mas não vejo necessidade de restringir o contato da criança a livros resistentes pelo menos a partir de um ano de idade. Eles são capazes de aprender a passar uma página e a cuidar dos livros. Até livros pop-up podem ser apresentados a bebês, com a assistência de um adulto. Eles são curiosos, tentarão agarrar e arrancar a figura que salta da página. Mas é importante lembrar que o contato da criança com o objeto livro vale mais que um livro inteiro. Tendo dito o suficiente sobre a encadernação das obras dos França, e justificado por que metê-las, sim, nas mãos de bebês, vamos ao conteúdo.

Eliardo França é um artista plástico muito sensível ao universo infantil, com seus traços simples e suas cores vivas. Os livros das coleções Gato e Rato e Os Pingos usam muita aquarela. Mary França é certeira com a linguagem, rica em aliterações, assonâncias, uma ou outra rima e um ritmo cadenciado, em unidades de fôlego ideais para a leitura em voz alta. Uma característica de seu texto são as frases muito curtas, em ordem direta, em períodos com normalmente apenas uma oração. Eis um trecho de Chuva (Ática, 1998), um dos meus preferidos:

       Ana vê a chuva da janela.
       A chuva molha aqui e lá.
       Aqui, a chuva molha o telhado.
       Molha o gato no telhado.
       Lá, a chuva molha o mar.

É pelo texto, em sua relação com as ilustrações, que vejo Mary e Eliardo França como autores para a primeiríssima infância. O texto da Mary pode ser saboreado por crianças que ainda não falam, porque são som, música, cantados na voz da mãe ou do pai. E é a partir desse canto que as crianças conhecerão a linguagem, e é a linguagem do colo, do afeto, que elas amarão.

Além dessas duas coleções, o casal produziu juntos livros com textos maiores e poemas, de modo que os pequeninos, depois de alfabetizados e mesmo até a adolescência, podem continuar desfrutando de Mary e Eliardo. Cacho de histórias (Global, 2014, 3a ed.) é um deles, no qual Eliardo experimenta várias técnicas de pintura. O poema Nana, lindo, tem ilustrações que me lembram Chagall.



Não é à toa que receberam vários prêmios no Brasil, como o Ofélia Fontes, da FNLIJ, e no exterior, tendo sido indicados para o Hans Christian Andersen. Para começar bem.

Um comentário:

  1. Lia, antes de engravidar devorei todo o conteúdo do Saco de Farinha e hoje vim conhecer esse seu novo espaço. Adorei a dica, tenho um pequeno ávido leitor de 1 ano e 9 meses e não conhecia a obra dos França. Muito obrigada, vou passar sempre por aqui!

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